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Entenda os impactos do ChatGPT dentro das salas de aula

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Com a adesão de 100 milhões de usuários em apenas dois meses, número 28 vezes superior ao da população mato-grossense, o ChatGPT ostenta o crescimento mais acelerado na história dos aplicativos de consumo. Produzido pela estadunidense OpenAI, o programa ganhou diversas versões e tem sido apresentado à sociedade como um novo momento de disrupção tecnológica. Porém, se por um lado os números impressionam, por outro acionam questionamentos sobre o futuro da Inteligência Artificial (IA) e, em alguma medida, da própria humanidade.

Com a robustez tecnológica proporcionada pelo machine learning e deep learning, o ChatGPT se mostra uma ferramenta versátil e possível de ser aplicada a diversas áreas, a exemplo da educação. Contudo, ao chegar a esse campo, há diversas dúvidas frente aos desafios atuais do ensino. Como usar a ferramenta em sala de aula? Como saber se as produções dos estudantes não são copiadas de respostas prontas do chatbot? A facilidade das respostas prontas pode produzir um cenário de menor estímulo ao senso crítico?

Essas e outras dúvidas não têm uma resposta fechada. Porém, um dos caminhos possíveis para pensar o impacto desta nova ferramenta para a educação é a partir da compreensão do que é o ChatGPT e de como foi a entrada de outras tecnologias no ensino. Professores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Thiago Meirelles Ventura, doutor em Física Ambiental e pesquisador de IA, e Silas Borges Monteiro, pós-doutor em Filosofia da Educação, contribuem com perspectivas sobre a discussão, com olhares sobre passado, presente e futuro

“Futura”

Um dos temores associados ao ChatGPT está relacionado à possibilidade de substituição dos homens pelas máquinas em diversos campos de trabalho – e as implicações disso para a sociedade e economia. Esse tipo de temor, contudo, não é exclusivo ou sequer recente. As novas tecnologias e suas repercussões para a sociedade sempre chegaram com um misto de encanto e medo. Exemplo disso são as produções de Inteligência Artificial que, muito embora sejam originárias do campo da ciência e tecnologia, ganharam releituras críticas em outras áreas, como nas artes.

Dirigido pelo cineasta austríaco Fritz Lang, Metrópolis (1927) foi a porta de entrada para muitos sobre as possibilidades da robótica e, em alguma medida, da IA. Na trama, HEL, que no livro que dá origem a adaptação do filme é chamada de Futura, é uma androide que, dada a narrativa, flerta com a ideia de mau uso da tecnologia e a perda do controle sobre as máquinas. A premissa transportada para o audiovisual por Lang, e posteriormente revisitada por diversas outras produções, mostra a força dos temores sobre produções tecnológicas, ainda que sem detalhar os contornos técnicos da tecnologia e suas consequentes limitações.

Como aponta Thiago Ventura, o ChatGPT é um gerador de textos com muito potencial, mas que tem limites. “É um modelo que ganhou muito destaque pelas suas habilidades. Tem a capacidade de gerar textos a partir de alguma entrada, um input. Ele foi treinado com uma quantidade enorme de conteúdos e gera texto a partir disso”, explica. “A população, porém, tem a impressão de que Inteligência Artificial é perfeita, mas dificilmente um modelo é 100% correto”, acrescenta.

Pesquisador enfatiza importância da discussão

“Tudo que envolve tecnologia vai estar associado a esse medo. Não seria irreal. É comum nesses casos demandar uma adaptabilidade de alguns profissionais e algumas áreas, para que não seja impactada de maneira negativa. Mas vai haver mudanças. Está sempre ligado à tecnologia essa questão de adaptação. A todo momento, a gente vai ter novas tecnologias para inicialmente um benefício da sociedade e daí vai de cada pessoa aproveitar isso ao máximo. Acho que a gente não pode deixar de evoluir tecnologicamente por conta de um receio desses. Acredito que vão ser gerados mais benefícios para a sociedade como um todo do que prejuízos”, disse o especialista em IA,  Thiago Meirelles Ventura, doutor em Física Ambiental.

Apesar de destacar pontos positivos no chatbot, o professor destaca discussões que devem ser feitas quando o assunto é Inteligência Artificial. Uma delas diz respeito à possibilidade dessa tecnologia ser treinada com dados enviesados. Significa dizer que é preciso pensar as respostas de uma IA como sendo um produto do conteúdo na qual a ferramenta foi “alimentada”. Caso a base contenha conteúdos direcionados a determinada perspectiva ou até preconceituosos suas respostas serão um reflexo daquilo.

“Há essa possibilidade [de viés], mas eu vejo que essa mesma possibilidade também existe ao se utilizar o Google ou na leitura de artigos. Vai de quem está consumindo a informação desenvolver esse senso crítico para não ser impactado por esses dados enviesados. Seja pela leitura de um texto em um site, pela leitura em redes sociais, ou por um texto gerado por Inteligência Artificial. Sempre vai haver a possibilidade de ter informações enviesadas”, disse o professor, sobre a existência de estudos de como diminuir o viés garantindo que a base utilizada seja a mais diversa possível.

Mesmo em meio às considerações sobre o ChatGPT, o professor relata que a sociedade já utiliza diversos sistemas baseados em Inteligência Artificial.

Uma discussão de décadas

Pensar as implicações do ChatGPT para a educação é, antes de tudo, um exercício de reflexão sobre a forma como o ensino é estruturado, segundo o professor Silas Borges Monteiro. Para o educador, é preciso, primeiro, discutir qual o modelo de formação utilizado hoje e, só então, refletir sobre como novas ferramentas podem melhorar ou piorar a experiência dos estudantes nas salas de aula.

Um “clichê” quando se fala em educação é a máxima que diz que “as escolas são do século XIX, os professores do século XX e os alunos do século XXI”. Para Monteiro, somente parte da afirmativa pode ser considerada correta. Ele concorda que a estrutura curricular e física das escolas, atualmente, se assemelha aos séculos anteriores. Com isso, entende que ainda paira uma mentalidade que já deveria ter sido superada. Contudo, reconhece que há uma familiaridade maior dos estudantes com a tecnologia, o que não produziu, de forma ampla, uma mudança da mentalidade dos estudantes e professores.

“O que me parece que é singular, nas últimas décadas, eu diria que até um pouco mais do que isso, foi a emergência do que se chamou de tecnicismo na educação dos anos 1960, oriundo da psicologia comportamental de Ferdinand Skinner, criador do behaviorismo psicológico. A tese de Skinner é de que aprendemos pelo comportamento, cabendo à docência a criação de estratégias de mudança de atitudes e comportamentos. Na teoria comportamental, se há mudança de comportamento, muda-se o modo de pensar. Um exemplo dessa teoria é o que Skinner chamou de “máquina de ensinar”, cuja função é colocar o estudante em situação de compor respostas que seriam verificadas pela máquina, algo próximo a alguns brinquedos que circulavam na década de 1960, com perguntas e respostas”, disse o professor Silas Monteiro.

Dessa forma, pondera que professores e alunos, de certo modo, pensam o mundo e o conhecimento de forma semelhante, muito embora a docência tenha mais dificuldade com o uso da tecnologia. O professor afirma que já na segunda metade do século XX se questionava a necessidade de modernização do ensino pela tecnologia, ao que denominou de tendência tecnicista da educação.

“Trazer tecnologia para determinadas atividades é uma aspiração quase centenária. Então, isso está no horizonte. Agora, o que a educação, desde sempre, desconfiou, não só porque o tecnicismo foi assumido pela ditadura militar com muita energia, mas porque há um elemento que a tecnologia não atende, que é próprio da docência. A educação tem uma posição crítica em relação a uma certa sobre determinação da tecnologia para o aprendizado de estudantes. Ela é muitíssimo importante, mas estou certo de que não é a solução. Ela contribui com o processo, mas não o determina. Ela pode ser parte da solução, mas é, também, parte do problema. A todo processo inovador deve haver uma suspeita crítica”, acrescentou.

Professores vão continuar estimulando os alunos a pensar

Para o educador, o campo ocupado exclusivamente pela docência não é alcançado pela tecnologia, é próprio da tarefa do professor: ensinar os alunos a pensarem. Neste contexto, Silas Monteiro aponta a diferença entre os conceitos de pergunta e questão como sendo essencial para se indagar a estrutura do ensino e as implicações do ChatGPT. No primeiro caso, a pergunta é uma dúvida cuja resposta é conhecida por ao menos um dos interlocutores. Já a questão é aquilo que não tem uma resposta prévia definida e definitiva, exigindo dos professores e alunos a busca de uma resposta. Esse exercício pedagógico permite desenvolver o raciocínio crítico dos estudantes.

Nesse sentido, Silas Monteiro pontua que o ChatGPT pode gerar temor se a docência partir do pressuposto de que o aprendizado ocorre com a resolução de perguntas e não com a busca por respostas às questões. Isso porque, com a potência do chatbot em responder perguntas, o sistema de ensino pensado apenas como mera transmissão de informações pode ruir. Assim, o medo da entrada de uma nova ferramenta que resolve perguntas se sustenta em um modelo de aprendizado que não estimula estudantes a responderem questões.

“Um certo movimento de achar a resposta ao que é indagado em uma avaliação, copiá-la e dá-la ao professor, me parece um pouco esse movimento que decorre de uma mentalidade do século XX. É tomar uma informação e julgar que transmitir essa informação resolve o problema”, disse. “E o ChatGPT é excelente para responder a uma pergunta, mas absolutamente incapaz de responder a uma questão. E, se um dia for capaz, haveria ainda a possibilidade de criar tantas variações originais quanto se pode fazer na experiência humana”, pontuou.

Há ainda, segundo o educador, outros pontos para serem discutidos quanto ao impacto do ChatGPT na educação. Um deles diz respeito ao acesso à internet, que ainda que seja considerado por muitos como universal é limitado e não está disponível para todos os estudantes. Além disso, o chatbot proporcionará experiências diferentes para o sistema de ensino público e privado.

Fonte: Gazeta Digital

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