Atuando há pouco mais de um ano como delegada titular da Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes (DRE) em Cuiabá, Juliana Chiquito, encabeçou uma das operação de maior repercussão as últimas semanas na Capital. Denominada “Doce Amargo”, a ação da DRE foi responsável por prender um empresário e outros envolvidos no tráfico de drogas sintéticas.
Em entrevista ao MidiaNews, a delegada afirmou que a Polícia está empenhada em atacar e combater o tráfico na camada mais privilegiada da sociedade mato-grossense que, segundo ela, é o nicho para o tráfico desses entorpecentes que alto custo.
“Nós nos preocupamos, sim, em focar nesse nicho de mercado das drogas sintéticas, para responsabilizar essas pessoas. E para a sociedade enxergar que a Polícia vai atacar e atingir o tráfico, como é amplamente conhecido, e também a comercialização de substâncias ilegais, as drogas sintéticas, na camada social mais privilegiada ou não tão vulnerável […]”, afirma.
Chiquito também afirma que a operação foi importante para colocar um novo olhar ao consumo dessas drogas fabricadas em laboratório. Isto porque, segundo ela, muitos jovens levam a prática da venda e uso da bala, do LSD e outros entorpecentes como “diversão”.
A delegada ainda deu mais detalhes sobre os próximos passos da operação, falou sobre o aumento de consumo das drogas sintéticas em Cuiabá e o surgimento de uma nova forma de consumir maconha.
Confira a entrevista na íntegra:
MidiaNews – Recentemente, a Polícia Civil prendeu um empresário, dono de academia, por tráfico de drogas sintéticas. O que leva estes jovens, aparentemente bem estruturados financeiramente, a entrar nesse mundo?
Juliana Chiquito – A Operação Doce Amargo ganhou muita repercussão e interesse. Por um lado, acho isso muito positivo para nós como sociedade, tendo em vista que muitos jovens que fazem o uso de drogas sintéticas nas baladas não consideram os seus fornecedores traficantes e nem se consideram usuários. Isso é um perigo.
A pessoa não vê isso como algo nocivo, não enxergar esse tipo de tráfico como algo hediondo, mas é um crime equiparado ao crime hediondo e é tráfico da mesma forma que o traficante de crack da cracolândia. A legislação vai tratar esses casos da mesma forma.
A pessoa não vê isso como algo nocivo, não enxergar esse tipo de tráfico como algo hediondo, mas é um crime equiparado ao crime hediondo e é tráfico da mesma forma que o traficante de crack da cracolândia. A legislação vai tratar esses casos da mesma forma
Os sintéticos costumam permear esses ambientes sociais mais privilegiados, porque o valor dele é mais alto. Em relação à bala, ao LSD e tantas outras drogas sintéticas, estamos notando uma crescente no uso no nosso Estado, em especial em Cuiabá.
Nós nos preocupamos, sim, em focar nesse nicho de mercado das drogas sintéticas, para responsabilizar essas pessoas. E para a sociedade enxergar que a Polícia vai atacar e atingir o tráfico, como é amplamente conhecido, e também a comercialização de substâncias ilegais, as drogas sintéticas, na camada social mais privilegiada ou não tão vulnerável quanto os usuários de outros tipos de drogas.
A gente fala dessa camada social mais privilegiada porque o acesso a esse tipo de droga é um acesso diferente da maconha, da pasta-base, do crack. Essas drogas você consegue comprá-las em inúmeros pontos conhecidos em Cuiabá, em Várzea Grande, que são pessoas que distribuem e comercializam. Agora, não é comum o encaminhamento ao plantão da Polícia Civil de pessoas autuadas em flagrante vendendo drogas sintéticas. Então, a percepção da DRE é realmente do aumento da visibilidade do acesso a esse tipo de droga.
MidiaNews – A Polícia tem uma estimativa do quanto um traficante de drogas sintéticas tem em faturamento?
Juliana Chiquito – Acho que a lucratividade depende do montante que você vai investir. Não podemos deixar de ver o tráfico de drogas como uma prática lucrativa, ninguém vai correr o risco dessa atividade criminosa, que é severamente reprimida pela sociedade e tem uma legislação que é mais dura com o traficante de drogas. É um crime equiparado a hediondo. A pessoa, uma vez condenada por esse crime, cumpre requisitos diferenciados de outros crimes para progredir pena.
O constituinte mandou que a legislação penal fosse mais dura com os praticantes deste crime. Então, o traficante não vai correr esse risco se o retorno dele não for bom. Lógico que temos esses traficantes usuários, os pequenos traficantes locais ou tráfico de varejo, que muitas vezes não têm nada. Realmente eles são dependentes, usuários, que vendem para poder consumir ou que estão envolvidos em uma situação de criminalidade, de facções… Mas temos aqueles que realmente ganham muito dinheiro com isso.
As drogas sintéticas têm um valor de mercado maior, mais elevado. Aqui em Cuiabá, até essa droga aportar na Capital tem uma logística, tem um custo. Segue as leis de mercado. Temos que encarar o tráfico de drogas como um negócio e o produto tem uma logística para chegar ao mercado consumidor. Então, estamos notando a situação das drogas sintéticas em Cuiabá com muita atenção, com muita responsabilidade para chamar a atenção das pessoas que consomem esse tipo de substância gravíssima, muito nociva à saúde e à integridade física. E as pessoas que revendem, seja em menor ou grande escala, são traficantes de drogas e vão ser alcançados pela legislação.
MidiaNews – A defesa do empresário preso na Operação Doce Amargo afirmou que a prisão do cliente deles foi baseada em “meras conjecturas”, suposições da DRE. Qual sua opinião sobre essa declaração?
Juliana Chiquito – Eu não tomei conhecimento do teor do que foi alegado pelos advogados do investigado, mas eles estão fazendo o papel deles. Estão tentando revogar essa prisão temporária, que foi analisada pelo Ministério Público. As “conjecturas”, assim ditas, da Polícia Civil foram analisadas pelo MPE, que é o custos legis, e foram apreciadas pelo Poder Judiciário e foram suficientes para resposta penal adequada.
Eu respeito muito as atividades dos advogados, eles conhecem meu trabalho, sabem o quanto tenho compromisso, realmente, em apurar fatos e não desonrar pessoas. Respeitamos todas as garantias constitucionais e legais, mas a investigação está em andamento ainda, estamos à disposição para apreciar novas situações, ouvir pessoas… Nunca tiveram nenhum tipo de dificuldade de acesso.
Nós vamos aguardar o final das investigações com muita tranquilidade e com muita responsabilidade nas ações durante o inquérito.
MidiaNews – Qual a linha vocês vão seguir a partir de agora?
Juliana Chiquito – Nós estamos analisando todo o material arrecadado durante o cumprimento das ordens de busca e apreensão. Também estamos tentando marcar novas oitivas, ver se há interesse dos investigados em serem ouvidos nos autos. Estamos fazendo essas tratativas com os defensores, tudo de uma forma muito objetiva e clara.
Vamos aguardar a manifestação do Poder Judiciário no que tange ao pedido de revogação que foi feito de todas as prisões temporárias. O MPE se manifestou pelo indeferimento dos pedidos e a conversão dessas prisões em prisões preventivas.
O nosso trabalho agora é concluir o inquérito policial, robustecendo o que já existe, comprovado e materializado dentro dos autos, e entregar o inquérito ao MPE para a continuidade do devido processo legal.
Há, inclusive, em unidades prisionais do país apreensão de folhas normais de sulfite em que é borrifada a maconha sintética liquida. E, através dos processos químicos, eles conseguem fazer o consumo da maconha sem o formato da maconha, sem o cheiro da maconha e sem a detecção
São oito investigados, oito mandados de prisão temporária e de busca. Desse oito mandados, cumprimos sete, então sete pessoas foram localizadas e cumprida a ordem de prisão temporária. Um dos investigados não foi localizado, até já solicitamos a manutenção da prisão temporária ou a conversão da prisão preventiva desse investigado.
Dos sete envolvidos localizados e presos, quatro foram autuados em flagrante pelo crime de tráfico de drogas. Essas prisões foram analisadas pelo judiciário, uma delas foi convertida em prisão preventiva, as outras não foram convertidas, mas foram homologadas e eles estão presos por força do mandado.
MidiaNews – Como é a rede de distribuição de drogas sintéticas em Cuiabá? São grandes vendedores ou pode-se dizer que são consumidores que muitas vezes vendem para sustentar o vício?
Juliana Chiquito – Vai depender. Nós temos dentro desta operação esses revendedores que faziam uso também.
Ficou bastante claro para a gente que eles, além de venderem, eram consumidores daquele material. Mas possivelmente terão aqueles que apenas vendem. A investigação caminha para um rumo de realmente tentar estabelecer qual era o nível dessas pessoas investigadas aqui em Cuiabá na comercialização desse tipo de drogas: se era intermediário, se era um nível mais abaixo, se era um escalão maior. De repente quem são as pessoas que estão acima, quem são os que recebem. Ou se já existe algo na nossa Capital de produção dessas drogas sintéticas, até mesmo para baratear o custo para o consumidor final.
A investigação é um estudo, ela tem suas fases e vai auxiliar na identificação da autoria do crime e também na percepção de um fenômeno que está acontecendo na Capital. Nós vamos tentar trazer essas respostas durante essa investigação, talvez não nessa que caminha para o final, mas de repente em novas que poderão advir de descobertas da Operação Doce Amargo.
MidiaNews – A gente percebe que o tráfico de drogas sintéticas tem uma dinâmica diferente da cocaína e maconha, por exemplo, que vem basicamente da Bolívia, Colômbia e Paraguai. Quem são os grandes fornecedores deste tipo de droga para Mato Grosso?
Juliana Chiquito – Essa é a nossa linha de investigação, para saber como esse material vem aportando pela Capital, se já existe algum ponto de produção disso aqui. São questionamentos que a investigação nos faz e que tentaremos aprofundar para dar essas respostas.
Como essa drogas está chegando aqui? Se é através de terceiros, se é de transportadoras, dos Correios… Temos inúmeros exemplos de outros tipos de drogas que são encaminhadas via Correio.
É importante tratar que o faro do cão, por exemplo, para drogas sintéticas é diferente, tem que ter treinamento. Então, nos Estados onde há maior incidência desse tipo de tráfico já existem cães em treinamento para o faro específico, mas aqui em Mato Grosso, salvo engano, tendo em vista que não é uma rotina a comercialização desse tipo de droga, pelo menos não em uma escala significativa, penso que ainda não temos cães de faro para sintéticos.
De repente é um novo desafio para os nossos canis. Então, nossos parceiros cães, indispensáveis nessa luta, talvez tenham que adotar novas técnicas para faro de sintéticos.
MidiaNews – As drogas sintéticas parecem estar em constante mudança. A cada época aparece uma diferente. Existe mesmo essa grande variedade de drogas sintéticas?
Juliana Chiquito – As drogas sintéticas são aquelas produzidas em laboratório. Então, elas são quimicamente alteradas. São pessoas que entendem desse mundo da química, da farmacologia, de elementos conhecidos agregados a outros elementos e produzem essas substâncias.
Nós trocamos bastante informações com outras delegacias especializadas, de que às vezes, esse rol das novas substâncias psicoativas tem que ser atualizado constantemente. Mudando uma molécula, um componente, você cria uma nova substâncias desconhecida a partir de uma conhecida.
Isso é constantemente atualizado através dos laboratórios forenses de todas as polícias ou instituto de criminalísticas. Então, essas novas substâncias são catalogadas e os exames específicos de drogas sintéticas têm um caminho diferente dos exames de maconha, cocaína. É algo dinâmico, a cada dia novas substâncias são descobertas.
Nós temos as anfetaminas, MDA, MDMA, LSD, as drogas mais conhecidas como ecstasy, a bala, o doce… Temos, por exemplo, não aqui em Cuiabá, a maconha sintética, onde não é feito a partir do elemento produzido na natureza e sim totalmente produzida em laboratório.
Há, inclusive, em unidades prisionais do país apreensão de folhas normais de sulfite em que é borrifada a maconha sintética liquida. E, através dos processos químicos, eles conseguem fazer o consumo da maconha sem o formato da maconha, sem o cheiro da maconha e sem a detecção.
MidiaNews – Como é o processo de investigação da DRE nesses casos?
Juliana Chiquito – Eventualmente, a Polícia Civil, Militar, as forças de Segurança como um todo, conseguem apreender esse tipo de material. Temos um histórico de apreensão, mas não é tão usual quanto a maconha, pasta base, cloridrato, haxixe, skank, que são drogas de maior circulação no nosso Estado.
Talvez, a gente tenha uma rotina maior dada as condições do nosso Estado. Somos fronteiriços com a Bolívia, somos uma rota de entrada de inúmeras substâncias ilegais, armamentos também, rota e mercado consumidor, haja vista o recorde de apreensão em 2021 de mais de 31 toneladas de drogas.
E as forças de segurança atuando sempre neste enfrentamento ao tráfico de drogas, que é um crime que movimenta as organizações criminosas, o dinheiro. Não podemos nunca desassociar o tráfico de uma atividade rentável. Rentável para quem? Para poucos e um prejuízo para muitas vidas e famílias.
MidiaNews – Qual é a droga sintética predominante entre os jovens de Cuiabá?
Juliana Chiquito – Esse tipo de pesquisa é bem interessante de ser feita. É um trabalho bem científico, mas, infelizmente, a gente não tem perna para fazer esse trabalho. No entanto, uma análise de percepção, e aí é um conhecimento empírico, não é científico, que há uma camada mais jovem, especialmente em algumas baladas eletrônicas, que é um nicho de consumo de drogas sintéticas.
A gente percebe até pelas características de idade, juventude… Muitos têmformação intelectual, ou seja, são indivíduos que têm conhecimento e têm acesso ao conhecimento, mas que acreditam que isso é só uma diversão. Entrar nessa vibe, o prazer acima de tudo, a alegria, mas depois que tudo acaba, como todo vício, vêm as consequências desse uso e abuso.
MidiaNews – Sabe dizer com que idade estes jovens começam na droga sintética? Qual o perfil do usuário?
Juliana Chiquito – Para isso a gente precisava pegar esses dados estatísticos de um período determinado de tempo. Como não é usual, temos poucas ocorrências nesse sentido.
Mas temos essa percepção de que é um público mais jovem, que tem acesso à informação, às vezes de nível universitário ou já com graduações. Mesmo porque é uma droga mais cara. Então o perfil de quem compra é diferente do usuário de uma droga mais barata como o crack, por exemplo.
MidiaNews – E os danos? Eles são parecidos aos provocados por cocaína e crack?
Juliana Chiquito – A gente tem muito essa percepção de que eles não se veem como dependentes químicos ou não veem seus fornecedores como traficantes. Os malefícios à saúde, que são violentos, conduzem à paradas cardiorrespiratórias e até mortes instantâneas, o abuso de “diversão” pode causar danos neurológicos.
Talvez, um profissional da saúde possa descrever com mais propriedade esses malefícios, mas as pessoas que se veem nesse consumo devem procurar ajuda, sua família noticiar: “Estou dependente de tal droga”. Evitar esses círculos, onde isso é distribuído e procurar ajuda médica para se livrar dessa dependência ou para tentar minimizar, porque uma dicção é eterna. E esses jovens que estão iludidos por essa euforia demasiada devem se afastar desses locais e de companhias.
MidiaNews – A cocaína sempre foi uma droga associada a baladas, festas. Ela perdeu terreno para as drogas sintéticas?
Juliana Chiquito – Se a gente for notar todas as ocorrências em que drogas sintéticas foram apreendidas, podemos vincular esses locais dessas apreensões a estabelecimentos fechados, como danceterias, casas de show ou festas eletrônicas.
É um nicho controlado, ao passo que o traficante de droga como a maconha, o crack e a cocaína, você encontra dentro dos bairros, dos guetos, nos locais em que vocês sabem que tem o consumo de pessoas, como por exemplo em São Paulo, na Cracolândia.
Então, são ambientes mais restritos e talvez há essa associação da droga sintética a esse tipo de eventos, mas isso não significa que não haja esse consumo em eventos privês, em festas pequenas, confraternização de amigos. Não é uma característica desse tipo de evento ou desse tipo de música, essa associação se dá por essas apreensões rotineiras serem realizadas em espaços dessas natureza.
Mas isso não significa que eventos de músicas eletrônicas são eventos de drogas sintéticas, pode não haver ninguém consumindo lá e pode haver um evento de música sertaneja com consumo de drogas sintéticas. O que a gente tem, essa percepção, é porque são nichos mais específicos de acesso a esse tipo de drogas.
A gente tem que focar onde essas drogas têm sido apreendidas e tentar identificar os seus fornecedores aqui em Cuiabá e de que forma ela tem chegado aqui.
MidiaNews – Na operação da semana passada, houve a apreensão de essência de maconha para ser colocada em cigarros eletrônicos. De que forma essa droga age no organismo?
Juliana Chiquito – Eu disse ao químico que tínhamos apreendido esse material, uma essência de THC, e ele me disse – obviamente nós estamos aguardando o laudo pericial – que essa essência do THC não é sintética, mas sim algo que vem da maconha mesmo, tem até um cheiro característico.
O THC é o princípio ativo da maconha, que é o proibido, que entorpece. Diferente de outros princípios que vem da maconha com efeito medicinal, não é usado o mesmo princípio. O que acontece é que como é uma apreensão que aqui em Cuiabá não tinha notícia de ter sido realizada, as informações que a gente obtém através de contatos dentro das unidades ou até mesmo dentro da própria internet é que o poder de ação dela, do THC, é mais potencializado do que o consumo do cigarro de maconha.
Então, talvez o efeito, a potencialidade da substâncias que entorpece, no vaper, nesses pen drives, nessa essência de THC, é mais intenso do que no cigarro de maconha. Mas ai é algo meramente e informações trazidas ao nosso conhecimento e que vamos aguardar o laudo pericial para saber, porém é algo que a gente já vê aparecendo na nossa Capital. Coisas que em outras capitais já apreenderam há muito tempo.
Fonte: Mídia News