Fonte: Gazeta Digital
Em todo o Brasil, crianças e adolescentes são as maiores vítimas da violência sexual, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. Estima-se que 61,4% das delas tinham, no máximo, 13 anos, quando foram violentadas; 10,4% eram bebês e crianças com idade até 4 anos; 17,7% tinham entre 5 e 9 anos e 33,2% entre 10 e 13 anos. São índices alarmantes que chamam atenção para a necessidade de proteção e de denúncia dos casos.
Em conversa com o GD, a mestra em psicologia e especialista em reabilitação neuropsicológica, Jackeline Rodrigues, destacou as características que uma criança que sofreu ou sofre abuso sexual apresenta, e que podem ser indicativos de alerta.
“A questão é observar quem está mais próximo da criança, se a criança apresentou alguma mudança de comportamento. Porque esse tipo de violência não se refere à introdução do órgão sexual na criança, mas o toque nas partes íntimas, de passar a mão pelo corpo. Então, a mãe tem que observar as partes íntimas, se está machucada ou vermelha”, pontuou.
Outra questão que ela pontua, é de que a família deve proteger a criança da sexualidade, de comentários pejorativos e de pessoas que sexualizam o menor. “Sexualidade precoce deixa a criança mais vulnerável a se tornar vítimas. Existem pais que transam na frente da criança, que tomam banho com a criança, isso só estimula a sexualidade fora do tempo”.
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Entre as principais características nas mudanças dos filhos estão a criança ficar mais retraída, chorosa, quieta. “Ela apresenta um medo excessivo de se afastar da mãe; por isso, é importante conversar muito com o filho para que ele tenha confiança em contar o que pode estar acontecendo”.
“Pais que educam batendo, acabam perdendo a confiança do filho e fazendo com que ele se torne ainda mais exposto ao abusador. Porque ele pode ameaçar a criança, dizendo que se ele contar para os pais, vai apanhar, e a criança acaba ficando quieta por medo”:
Para casos de abuso, o indicado é sempre buscar uma psicóloga que possa diagnosticar ou até mesmo orientar os pais de como agir nessas situações. “Quando a criança chega ao consultório, ela não quer falar, então é importante conquistar a confiança, realizar um acolhimento psicológico, criando um ambiente ético e saudável. Por isso é importante respeitar e saber o que dizer para que a criança não fique ainda mais traumatizada”.
Na dúvida, denuncie
De acordo com a delegada Jannira Laranjeira, coordenadora de Enfrentamento à Violência Contra Mulheres e Vulneráveis da Polícia Civil, toda suspeita de abuso sexual infantil precisa ser comunicada às autoridades de segurança, pois o fato será investigado para constatar ou não o crime e a criança será colocada em proteção.
“As pessoas, às vezes, não querem denunciar, não querem fazer boletim de ocorrência, porque falam que pode ser mentira da criança ou que vai prejudicar um adulto. […] Infelizmente, ainda existe aquele julgamento, aquela dúvida se a criança está falando a verdade ou não. Isso tende a intimidar e reprovar a fala da criança. Toda vez que se questiona, isso diminui o acontecimento, o fato, e vai desestimulando a denúncia”, acrescenta.
Jannira ressalta que, infelizmente, a maioria dos casos ocorre principalmente dentro de casa, na igreja, na vizinhança, praticado por parentes e amigos do círculo social familiar, pessoas que têm fácil acesso à criança e em momentos que é deixada sozinha ou em um descuido de atenção.
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Nesse sentido, a delegada orienta manter a atenção para sinais como comportamentos de ansiedade e choro, urinar na cama, resistência da criança a se aproximar de certas pessoas, retrocessos no desenvolvimento, mas também sinais mais sutis para além da coação e ameaça, como quando crianças chegam em casa com balas, moedas e presentes que podem ser dados para seduzi-las.
“Quem deve fazer a investigação é o sistema de segurança, o sistema Judiciário. A lei manda: é na mínima dúvida que o fato tem que ser levado à autoridade policial, não é diante da certeza. Os órgãos de proteção também devem ser acionados, como o Conselho Tutelar, para que essa criança seja assistida, para investigar e para acolher”, esclarece.
Conforme a delegada, o abuso não acontece somente com conjunção carnal, mas pode ocorrer também na ausência de toque, como, por exemplo, submeter a criança a assistir filmes pornográficos, se despir na frente do menor, em conversas incentivando ou tentando convencer ao ato sexual. São ações que já caracterizam a violência sexual.
“Há um entendimento que não se enquadra importunação sexual para crianças, pois há presunção de violência ao se tratar de criança e adolescente”, afirma Jannira. Ou seja, não se aplica a legislação de importunação sexual visto que elas não têm noção de consentimento, o que caracteriza o crime de estupro de vulnerável, cuja pena é de 8 a 15 anos de reclusão.
“Nos crimes sexuais, assim como nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima tem um peso considerável, lógico, sempre em concordância, em sintonia com as demais provas do inquérito, com os demais elementos de informações escolhidos durante o procedimento de investigatório”, reforça.
18 de maio
O dia 18 de maio foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes por meio da Lei n.º 9.970, em 17 de maio de 2000. A data foi escolhida em memória ao caso Araceli, um crime que chocou o país em 18 de maio de 1973.
A pequena Araceli Cabrera Sánchez Crespo, 8, foi raptada na saída da escola, e ficou em poder dos agressores por dias, sendo vítima de diversas formas de violência e, posteriormente, foi assassinada. O corpo da criança foi encontrado carbonizado e os agressores nunca foram punidos. O caso ocorreu no Espírito Santo.