Os reflexos do que aconteceu com o Flamengo e com o Corinthians tiveram impacto direto na diretoria de Duilio Monteiro Alves.
A estreia de Vitor Pereira e de Fernando Lázaro mostrou uma incômoda distância tática, postura e intensidade dos dois clubes mais populares do Brasil.
O fraquíssimo futebol corintiano diante do Red Bull Bragantino, que obrigou Cássio a três estupendas defesas e ainda a assistir, desesperado, a uma bola beijar o seu travessão, antes do gol de Arthur, que decretou a merecida derrota, contrastou com o que aconteceu no Rio.
O adversário, a Portuguesa da Ilha do Governador, era muito mais fraco, sem dúvida, mas a postura do Flamengo foi empolgante, vibrante, imponente. Com sua estratégia definida, bem ao contrário do instável time nas mãos de Dorival Junior, cuja simplicidade tática já não funcionava no fim de 2022, mesmo com o melhor elenco do Brasil.
A vitória rubro-negra por 4 a 1 foi tímida só no placar. O futebol foi imponente para o time marcar pelo menos mais três vezes.
O que aconteceu no Rio de Janeiro e em Bragança trouxe à tona a diferença de uma equipe comandada por um treinador novato, que está dividindo o poder com veteranos, e outro vivido, rodado, acostumado a dominar elencos recheados de estrelas.
O que dói em Duilio é que o comandante do Flamengo é o técnico que traiu a sua confiança, virou as costas ao Corinthians e a ele, a quem chamava de “irmão”.
E também sua resposta, que muitos membros da diretoria e do conselho deliberativo consideraram precipitada, sem sentido. Entregar o cargo a Fernando Lázaro, interino de apenas sete partidas.
O técnico português continua sendo chamado por membros da diretoria de “traidor”. Mas ele tem 20 anos de experiência como comandante de uma equipe.
Fernando Lázaro já comete um erro previsível para quem acompanha o dia a dia do Corinthians. Tentar acomodar os jogadores, fazer com que atuem onde gostam. Isso muitas vezes não é possível e prejudica o próprio time.
Róger Guedes, um dos jogadores que mais reclamam no país e que se dava muito mal com Vítor Pereira, teve seu desejo atendido em Bragança. Jogou mais centralizado, não como ponta-esquerda. O mesmo acontecia pela direita, com Moraes, que outra vez foi mal demais.
No meio-campo, Fausto Vera na frente da zaga, Du Queiroz pela direita, Maycon na esquerda e Giuliano mais à frente. O Red Bull Bragantino do também português Pedro Caixinha não tomou conhecimento dessa estrutura tática espaçada, antiquada, que talvez funcionasse com Tite, em 2012. Não dez anos depois.
Com um variável 4-3-3, o Red Bull pressionou a saída de bola corintiana, com personalidade. Criou várias chances para golear. A derrota por apenas 1 a 0 foi injusta, diante do futebol agressivo e muito bem coordenado.
Parecia um time de 2023 contra uma equipe de 11 anos atrás.
“Cássio fez uma grande partida e nos manteve vivos no jogo até a parte final. Poderíamos ter buscado o empate mesmo com a superioridade do adversário ao longo da partida. Trabalhamos bem para começar bem a competição. Estamos preparando o grupo.
“Claro que no decorrer da temporada os atletas estarão em melhor condição. As ausências serão mais suaves quando tivermos problemas, mas as faltas neste momento pesaram. Sabemos que é uma etapa de início ainda, de conhecimento, com a entrada de outros atletas no grupo”, disse o treinador corintiano após a derrota.
Fernando Lázaro repassou a culpa pelo sufoco que o Corinthians teve na derrota para a ausência de Renato Augusto, que ainda aprimora a forma física, Adson, suspenso, Romero e Bidu, recém-contratados.
Mas, mesmo se o técnico tivesse apenas garotos do sub-11, o Corinthians deveria ter uma estrutura tática competitiva, moderna. Não tinha. Lembrando que Fernando Lázaro seria o observador das seleções adversárias do Brasil na Copa do Catar. Não foi porque assumiu o Corinthians.
Lázaro só assumiu porque Tite foi consultado no Catar e não quis voltar para o Corinthians após o Mundial. A consulta aconteceu logo depois da saída de Vítor Pereira, que dizia que cuidaria da saúde da sogra em Portugal.
O técnico ainda sonhava em fazer o Brasil hexacampeão mundial e depois trabalhar em uma equipe grande na Europa. Disse não. Mas deixou claro que, quando decidir voltar ao futebol brasileiro, priorizará o clube onde foi mais feliz, o Corinthians. E deu sua bênção a Fernando Lázaro.
A ligação umbilical entre Tite e o diretor de futebol e ex-presidente, Roberto de Andrade, faz com que conselheiros tenham a certeza de que, se o caminho com Fernando Lázaro for desanimador como na estreia, o ex-treinador da seleção brasileira desembarcará para uma quarta volta ao Parque São Jorge.
Situação que Lázaro percebe e até não poria obstáculo para trabalhar como auxiliar do técnico que admira.
Enquanto isso, na Gávea, a certeza da direção flamenguista, ao ter trocado Dorival Júnior, campeão da Libertadores da América, por Vítor Pereira.
Para o primeiro jogo, gostei da personalidade. É um time sereno com a bola, que tem momentos de qualidade ofensiva. Tivemos bons momentos também de pressão e de qualidade defensiva. Mas temos que fazer esses momentos perdurarem e crescerem em tempo.
“Fundamentalmente, o Flamengo precisa ter mais paciência para acelerar o jogo, encontrar espaços e não fechar espaços que já estão fechados. Precisamos acelerar o jogo no momento certo e, depois, ter a nossa pressão mais organizada e coordenada. Houve momentos em que partimos. Também nos tornamos perigosos porque os jogadores da frente conseguem decidir o jogo a qualquer momento. Vamos evoluir.”
“Flamengo é uma equipe que sabe ter a bola. Tivemos bons momentos de pressão bem-feita. Em relação à torcida, não sei o que dizer: 51 mil torcedores em um domingo à tarde, com sol, com praia para irem, é uma paixão.”
O discurso ambicioso, que esbanja confiança, se refletiu na imprensa, na torcida, na diretoria.
Vítor Pereira tem não só a visão tática ofensiva, coerente, moderna que os dirigentes buscavam, mas também a postura firme de um treinador vivido, cheio de cicatrizes, de vitórias importantes, derrotas, momentos bons, ruins.
A de um comandante que sabe o que faz, porque já acertou, errou, ganhou, perdeu.
Já Fernando Lázaro, não. Ele é um novato. Com visão privilegiada do jogo, mas teórica. Na prática, depende demais das atitudes, da condição física dos atletas que comanda.
Não tem a grande vivência nem sequer como auxiliar. Assumiu esse cargo por apenas 11 jogos, com Sylvinho, no Lyon.
Começou trabalhando na informática do Corinthians. Depois do fracasso do trabalho na França, passou à chefia do Centro de Inteligência de Futebol do Parque São Jorge, que observa atletas de outros clubes para eventuais contratações.
Depois passou a trabalhar como treinador interino, após a demissão de Vagner Mancini.
Com a chegada de Sylvinho, voltou ao Cifut.
Até ser escolhido para substituir o “traidor” Vítor Pereira.
Sua inexperiência é assustadora.
A sobrevivência no cargo dependerá da entrega dos jogadores. Mais do que de seus comandos.
A maneira como o Corinthians se comportou ontem foi um péssimo cartão de apresentação.
Que doeu ainda mais diante do desempenho do Flamengo, com o técnico que Duilio desejava que continuasse no Parque São Jorge.
Tudo está ainda muito no início.
Mas não poderia ser pior para Lázaro, que não ousa nem sequer apontar um título que o Corinthians mais deseja ganhar.
Enquanto Vítor Pereira começa a ganhar a confiança dos dirigentes, dos torcedores e da imprensa.
Com o alvo fixo.
O sonho de fazer o Flamengo bicampeão mundial.
A diferença do ambiente dos dois clubes mais populares do Brasil é gigante.
E tem na origem seus treinadores.
Um com 20 anos de experiência.
E outro com oito partidas no currículo…
Não é por acaso que a sombra de Tite surge no horizonte da zona leste.
Apenas a constatação de uma precipitação…
Fonte: Gazeta Digital